sexta-feira, 21 de julho de 2017

Seminários sobre justiça

Tratar de justiça envolve uma discussão que abarca tanto a moral quanto a política. É um conceito complexo e controverso, que recebeu na história da filosofia diferentes compreensões. Em nosso seminário, vamos obviamente fazer recortes para debater e comparar algumas das principais contribuições. De saída, poderíamos lembrar a velha definição de justiça ‘suum cuique tribuere’ (dar a cada um o que lhe cabe). De fato, justiça sempre esteve ligada às ideias de mérito (quem merece o quê?) e de igualdade (como e em que aspectos os seres humanos devem ser tratados como iguais?). Também é objeto de permanente debate a distinção entre justiça distributiva e justiça corretiva. No primeiro caso, trata-se daquilo que se dá a alguém por meio de benefícios, obrigações ou também punições. No segundo caso, estamos falando da aplicação de punições com intuitos corretivos. O debate, neste caso, gira em torno do tipo de punição que vamos escolher, se elas funcionam e em que grau podem ser aplicadas. Em síntese, nesse seminário introdutório, o propósito é trabalharmos com elementos conceituais, históricos, mas também levantarmos questões para debate.
É isso! Escolha um dos grupos e vamos ao trabalho!

CONVENCIONALISMO (grupos 1 e 2)
A ideia básica aqui é que justiça é o que está na lei, são as convenções (regras) que os componentes do grupo social acordaram entre si e instituíram na forma de leis.  

Grupo 1 – A primeira noção de convencionalismo
Assistir ao vídeo ‘A República de Platão”, em particular os 9 primeiros minutos. Com o auxílio do vídeo de Maurício Marsola, o grupo vai tecer alguns comentários que contemplem:

a)      Que personagens introduzem a questão da vida boa e qual a relação entre a vida boa e a justiça?
b)     Qual a primeira definição de justiça que aparece no diálogo? Por que ela não é satisfatória?
c)      O que Polemarco apresenta como noção de justiça? Como Sócrates a avalia?
d)     Trasímaco, o próximo personagem a entrar na conversa, é um sofista. Comente sobre que reputação tinham e o que desempenhavam os sofistas na Atenas democrática, explicando por que, apesar de defenderem um relativismo epistemológico, eles contribuíram para fortalecer a democracia. (leia, na Wikipédia, o verbete sobre a ‘escola sofística’ )

Grupo 2 – Justiça como convenção
Assistir ao vídeo ‘A República de Platão”, em particular os 9 primeiros minutos. O grupo deve:

a)      Fazer a conexão entre a fala de Trasímaco e a noção de justiça como convenção. (utilize o verbete sobre a ‘escola sofística’
b)     Expor a noção de justiça como conveniência do mais forte. Questionar se essa leitura tem alguma pertinência hoje.
c)      Apontar quais as considerações que Trasímaco apresenta a respeito da justiça como utilidade.
d)     Sintetizar como os sofistas esvaziam a noção de justiça, tirando dela qualquer conteúdo moral. 
e)      Pesquisar sobre Michael Walzer e explicar como as noções de comunitarismo, de entendimento compartilhado e de justiça distributiva encorpam uma versão bem mais sofisticada de convencionalismo.

FUNDAMENTOS TELEOLÓGICOS (grupos 3 e 4)
A argumentação teleológica é outro caminho de fundamentação da justiça. A ideia é que é possível fazer uma descrição do bem para os seres humanos e que a justiça é o princípio ordenador através do qual uma sociedade busca aquele bem. Para sustentar as regras instituídas, a argumentação teleológica apela a uma autoridade externa, geralmente divina. Esta noção começou com os estoicos gregos e ganhou sua forma cristã definitiva com Tomás de Aquino. Fala-se, por exemplo, que os seres humanos atingem seu verdadeiro fim (télos) ou percebem sua verdadeira natureza apenas vivendo de acordo com a lei natural, lei esta que pode ser percebida pela razão humana. O utilitarismo, entretanto, segue uma linha diferente, procurando arrazoar a noção de justiça não mais num plano divino, mas numa noção humana, como a felicidade ou bem-estar humano.

Grupo 3 – Direito Natural
Consultar na Wikipedia o verbete ‘direito natural’, em particular os itens Aristóteles, os Estoicos e Cristianismo, e expor:

a)      Por que é da insuficiência da perspectiva convencionalista que surge a ideia de buscar um direito natural.
b)     De que modo os estoicos pensavam a chamada ordem racional, que tudo governava.
c)      A relação entre justiça e virtude que, para os estoicos, era fundamental existir.  
d)     Por que a teleologia oferecia uma segurança e um caráter universal à noção de justiça, algo que nega a perspectiva comunista de autores como Michael Walzer, mencionado no grupo 2.
e)      Como e por que o cristianismo se apropriou dessa noção de direito natural. 

Grupo 4 – Utilitarismo
Assistir ao vídeo ‘Utilitarismo’ e articular:

a)      Como o utilitarismo, na dúvida a respeito da existência de um plano divino ou uma ordem natural, propõe como fundamento da justiça o bem-estar humano, a felicidade ou a "utilidade".
b)     Quais os 5 pilares sobre os quais se assenta o utilitarismo e por que há apenas uma virtude que importa: a maximização da utilidade para um maior número de pessoas.
c)      Os problemas do utilitarismo: em alguns casos, a injustiça concorre para o bem geral; o tratamento absolutamente igualitário não permite identificarmos as diferenças entre as pessoas. Usar como exemplo reportagem como essa.

VANTAGEM MÚTUA e EQUIDADE (grupos 5 e 6)

Grupo 5 – Justiça como vantagem mútua
A proposta é que as regras da justiça possam ser derivadas do consenso racional de cada agente para cooperar com os outros além do seu próprio interesse.

O grupo pautará sua exposição no Leviatã de Hobbes, onde ela ganha os contornos clássicos. Ler o verbete Hobbes na Wikipedia e explicar:

a)      A valorização de que cada pessoa tem uma concepção de seu próprio bem e que a justiça deve contribuir para a consecução daquele bem. Unir essa questão com o fundamento do Estado para os filósofos contratualistas.
b)     O foco no poder de barganha de cada indivíduo na construção das leis e do contrato social.
c)      As falhas dessa noção: o problema da desestabilidade social, da obediência aos mais fortes, e do não cumprimento de regras (non-compliance). Ou seja, tudo se complica quando o sujeito percebe que o cumprimento das regras não é tão vantajoso para ele quanto o descumprimento.
d)     Quando uma noção de justiça com base no interesse de cada um pode resultar em aumento de sanções, coerção e policiamento. Conectar esse ponto com a questão do medo, tão presente no Leviatã, de Hobbes.

Grupo 6 – Justiça como equidade
A justiça é fornecer um quadro justo no qual cada pessoa está habilitada a perseguir seu próprio bem.

Conferir o conceito de equidade na Wikipédia e neste site. Explicar:
               
a)      O que a noção de equidade pretende corrigir ou completar? Por que dar destaque à questão das oportunidades semelhantes que cada indivíduo deve ter para perseguir seus projetos pessoais.
b)     O recurso teórico da valorização da igualdade inicial: mencionar e explicar o experimento de John Rawls sobre o ‘véu da ignorância’
c)      Como a noção de cotas, hoje difundida em nossa sociedade, se encaixa nessa reflexão. Comentar as críticas à meritocracia e apresentar para os colegas resultados obtidos por alunos que entraram na universidade por cotas, comparando-os com resultados obtidos por alunos não-cotistas.
d)     Quais os desacordos e os problemas que a concretização da equidade oferece? Utilize o artigo de Helio Schwartzman como ponto de partida.

JUSTIÇA CORRETIVA (Grupo 7)

Considere o contrato social, com todos os seus benefícios, mas também ônus; considere a subjetividade humana, com suas particularidades, idiossincrasias e escolhas nada universais... Contraste isso com o fato de que para sobrevivermos em sociedade necessitamos de condições e regras indispensáveis. O que podemos fazer para corrigir os que não cumprem as regras? Como castigar os que violam valores/princípios caros à convivência humana civilizada?

Sobre esse tema, que é bastante amplo, o grupo pode começar assistindo à entrevista de Pedro Bial. Para o debate com os colegas, o grupo deve:

a)      Trazer uma posição fundamentada sobre como poderíamos resolver o problema da pequena e da grande corrupção no Brasil. Que tipo de correção ou punição específica poderíamos adotar?
b)     Colocar no debate e comparar a fala do professor (que apela ao consenso) versus a fala do neurologista (que defende a necessidade da coerção). Trazer para o nosso contexto problemas de nossa cidade e de nossa escola.
c)      Por que no Brasil é forte o discurso que prega mais prisões e castigos, que pede medidas cada vez mais agressivas, às vezes até pena de morte? Por que não se fala em outras penas?
d)     Explorar dois possíveis extremos da questão: o investimento em educação versus a implantação de uma ‘licença para matar’.