quinta-feira, 30 de abril de 2020

Música, interrogações éticas e rap (2ºs anos)


Post atualizado em 03/05/2020 às 12h25

Seja bem-vindo!

Temas clássicos da filosofia podem ser ilustrados pela música? Certamente!
Estamos discutindo ética, debatendo as ações humanas e o que chamamos de valores. Já fizemos a contraposição entre autonomia e heteronomia. Já vimos que o poder que tem a razão sobre a nossa vontade por vezes é vulnerável. Se os valores mudam conforme a época e o contexto, também é verdade que temos uma consciência moral que não pode ignorar a pessoa do outro ou simplesmente esquecer a responsabilidade dos próprios atos. Em resumo, falar de ética envolve um conjunto de elementos intrincados, em meio aos quais questões sobre a decisão individual se intercalam com problemas sociológicos.

Nessa aula, vamos falar de ética a partir do que nos sugerem algumas músicas, observando letras, comparando intérpretes e, claro, comentando conceitos que estudamos.

Comecemos de leve, ouvindo “Vítimas da sociedade”, de Bezerra da Silva:


O samba do carioca Bezerra da Silva é imagético. Quem não o conhece? Ao ouvi-lo, “entramos no morro”, ou seja, “vemos” a desigualdade, topamos com as mazelas da favela. Ele faz uma crônica da violência policial e explora a questão do tráfico, do consumo de drogas e, particularmente, a ambiguidade da ética da malandragem. Interessante, não? A riqueza de sua música está numa expressão bem autêntica (carregada, por exemplo, de gírias peculiares e acentuações) que entrega para o ouvinte uma realidade concreta, sem moralismos.
De Bezerra, não dá pra esquecer canções como “Eu sou favela” e “Malandragem dá um tempo”.

Além do samba, outros estilos também oferecem intérpretes cujas canções são ricas em conteúdo. No Rock, teríamos uma lista grande de intérpretes. Veem-me à mente um Raul Seixas, um Cazuza e uma banda como Legião Urbana. Pense nos conflitos internos que vivemos para compreender e nos adequar às regras da sociedade, para sobreviver em meio à coletividade com um propósito que nos dê sentido à vida. O que dizer de Santo Cristo, o personagem emblemático de “Faroeste Caboclo”, de Legião Urbana, que encarna essa luta interior numa saga por justiça ao seu próprio modo? A música que ensejou filme homônimo expõe as diferentes facetas de uma pessoa, com uma trajetória, com seus conflitos pessoais. Se suas escolhas foram as mais razoáveis, isso dá uma boa discussão. 


Na sua opinião, depois dos anos 2000, por exemplo, que artistas ou bandas mereceriam ser adicionadas à uma playlist indispensável de Rock? Uma playlist que leve em conta música e letra? Os comentários estão abertos. Se quiser, pode opinar.

Se voltarmos o nosso olhar (ou nossos ouvidos) para a MPB, temos nomes iconográficos como os de Chico Buarque e Caetano Veloso, mas temos desconhecidos como O Teatro Mágico e também Tom Zé. Já ouviram alguma coisa desses dois últimos? Aposto que não!

É curioso que artistas como Tom Zé, por exemplo,  obtenham reconhecimento no exterior mas aqui no Brasil sejam completos desconhecidos. Talvez falte a professores, como eu, divulgar e tocar mais esse tipo de música –  tô fazendo aqui mea culpa!
No hiperlink acima, Jon Pareles faz um review do show to Tom Zé prá lá de elogioso ao The New York Times, mencionando, num dos trechos que... no Brasil, Zé, 80 anos, é conhecido como pioneiro, funileiro, brincalhão, pensador profundo e inseto. Ele fazia parte da confiança cerebral original de Tropicália, o movimento que trouxe um modernismo psicodélico ao pop brasileiro na década de 1960.

Funileiro, pensador profundo e inseto? Puxa!
Bem, ouça essa canção de Tom Zé e tire suas conclusões por que ele não é tão palatável ao gosto popular: 


Com o intuito de dar foco e consistência ao nosso objetivo de discutir ética a partir de algumas músicas, talvez fosse importante nos voltar a temas que ocupam o imaginário e o cotidiano das nossas juventudes. Quem são os jovens que frequentam o nosso colégio? Onde moram? Que perfis socioeconômicos têm?

Sabemos que em sua maioria, são jovens de periferia, que vivem sob o imperativo da sobrevivência, ou seja, não têm a vida ganha e se quiserem alcançar o mínimo de mobilidade social, vão precisar estudar e ralar bastante. Eles vivenciam uma realidade com muitos desafios, em alguns casos, até vulnerabilidade. Em conversas básicas, ganham proeminência questões como amadurecimento, pobreza, autoestima, violência, família, drogas, machismo, trabalho. Olhando esse rol de temas, é difícil não reconhecer o leque de possibilidades que um estilo como o RAP ofereceria para discutir tais coisas.

O que é o rap? O rap é a rua... com o que ela carrega de melhor e de pior!
Não se enquadraria no estilo de “música pra todos”, “confortável”, politicamente correta. Os não familiarizados vão se lembrar das rimas, é óbvio, mas vão associar ao estilo as batidas secas, as letras agressivas, um pendor para explorar a violência, a vingança, a desigualdade, enfim temas nem sempre condescendentes. Grupos como Facção Central, por exemplo, catalisam uma revolta que inverte a lógica da ética, uma crueza que incomoda, que assusta e que nos lança para “o outro lado”. É a voz do ladrão, do excluído invisível, do detento, é o repúdio lançado pelos quem estão fora dos paradigmas de aceitabilidade da sociedade, sem chance, sem projeto, sem futuro. Não é simplesmente denúncia, é uma música de resistência. Algo contrastante, árduo, desafiador.

Na postagem anterior aqui no blog, a segunda música que eu sugeri que você ouvisse é “Tô ouvindo alguém me chamar”, do Racionais MCs. O álbum de que essa canção faz parte foi adicionado à lista do vestibular da Unicamp 2020. Ela tem bastante do realismo agressivo que estamos falando e, como fará parte da nossa próxima atividade, disponibilizo aqui novamente o vídeo pra você conferir.





É importante ressaltar, porém, que assim como outros estilos, o rap tem marcas e temperos que diferem bastante, conforme o intérprete. Poderíamos citar a música de um Criolo, por exemplo. Ainda no propósito de diversificar, uma rápida panorâmica em torno das canções de um Emicida nos leva para outros caminhos. Trata-se de uma música eclética e complexa, que funde o rap com o samba, o funk, o hip hop e mesmo o rock. Tem a rima pesada, mas tem coisa mais leve. Os próprios temas não são restritos. Há riqueza de sampleamento. Encontramos ali crítica social, política, mas também resíduos de subjetividade, de elementos bem cotidianos, nos quais a vida brota às vezes singela, porém encantadora. É algo realmente peculiar!



O rap abre um leque enorme para a discussão de temas sociológicos, mas é possível também encontrar canções que nos levam a pensar a vida, as escolhas de pessoas comuns, que tomam determinadas atitudes frente ao que têm diante de si, sua origem e suas condições, suas necessidades mais básicas. Problematizar os desafios e a realidade de nossos jovens a partir do rap é, sem dúvida, uma alternativa bem-vinda.
Você já ouvia rap? Que grupos conhece? Alguma canção em especial?

ATIVIDADE: Eu gostaria de concluir este post lançando uma questão pra você. Se você não escuta rap, escolha outro estilo musical e uma canção da sua preferência. Apresente-me uma música que fala nessa perspectiva de retratar o dia a dia, problematizando os valores que nos circundam e as escolhas que fazemos. Após dizer o nome da canção e do(s) intérprete(s), selecione um trecho dela que oferece uma relação clara com o que estamos tratando aqui e faça suas considerações. Isso pronto, volte ao classroom e poste sua resposta no formulário lá disponível.

É isso!