Post atualizado em 03/05/2020 às 12h25
Seja bem-vindo!
Temas clássicos da filosofia podem ser ilustrados pela
música? Certamente!
Estamos discutindo ética, debatendo as ações humanas e o que
chamamos de valores. Já fizemos a contraposição entre autonomia e heteronomia. Já
vimos que o poder que tem a razão sobre a nossa vontade por vezes é vulnerável.
Se os valores mudam conforme a época e o contexto, também é verdade que temos
uma consciência moral que não pode ignorar a pessoa do outro ou simplesmente esquecer
a responsabilidade dos próprios atos. Em resumo, falar de ética envolve um conjunto
de elementos intrincados, em meio aos quais questões sobre a decisão individual
se intercalam com problemas sociológicos.
Nessa aula, vamos falar de ética a partir do que nos sugerem
algumas músicas, observando letras, comparando intérpretes e, claro, comentando
conceitos que estudamos.
Comecemos de leve, ouvindo “Vítimas da sociedade”, de
Bezerra da Silva:
O samba do carioca Bezerra da Silva é imagético. Quem não o
conhece? Ao ouvi-lo, “entramos no morro”, ou seja, “vemos” a desigualdade, topamos
com as mazelas da favela. Ele faz uma crônica da violência policial e explora a
questão do tráfico, do consumo de drogas e, particularmente, a ambiguidade da ética
da malandragem. Interessante, não? A riqueza de sua música está numa expressão bem
autêntica (carregada, por exemplo, de gírias peculiares e acentuações) que entrega
para o ouvinte uma realidade concreta, sem moralismos.
De Bezerra, não dá pra esquecer canções como “Eu
sou favela” e “Malandragem
dá um tempo”.
Além do samba, outros estilos também oferecem intérpretes
cujas canções são ricas em conteúdo. No Rock, teríamos uma lista grande de
intérpretes. Veem-me à mente um Raul Seixas, um Cazuza e uma banda como Legião
Urbana. Pense nos conflitos internos que vivemos para compreender e nos adequar
às regras da sociedade, para sobreviver em meio à coletividade com um propósito
que nos dê sentido à vida. O que dizer de Santo Cristo, o personagem emblemático
de “Faroeste Caboclo”, de Legião Urbana, que encarna essa luta interior numa
saga por justiça ao seu próprio modo? A música que ensejou filme homônimo expõe
as diferentes facetas de uma pessoa, com uma trajetória, com seus conflitos
pessoais. Se suas escolhas foram as mais razoáveis, isso dá uma boa discussão.
Na sua opinião, depois dos anos 2000, por exemplo, que
artistas ou bandas mereceriam ser adicionadas à uma playlist indispensável de
Rock? Uma playlist que leve em conta música e letra? Os comentários estão
abertos. Se quiser, pode opinar.
Se voltarmos o nosso olhar (ou nossos ouvidos) para a MPB,
temos nomes iconográficos como os de Chico Buarque e Caetano Veloso, mas temos
desconhecidos como O Teatro Mágico e também Tom Zé. Já ouviram alguma coisa desses
dois últimos? Aposto que não!
É curioso que artistas como Tom Zé, por exemplo, obtenham reconhecimento no exterior mas aqui no Brasil sejam completos
desconhecidos. Talvez falte a professores, como eu, divulgar e tocar mais esse
tipo de música – tô fazendo aqui mea culpa!
No hiperlink acima, Jon Pareles
faz um review do show to Tom Zé prá lá de elogioso ao The New York Times, mencionando,
num dos trechos que... no Brasil, Zé, 80 anos, é conhecido como pioneiro,
funileiro, brincalhão, pensador profundo e inseto. Ele fazia parte da confiança
cerebral original de Tropicália, o movimento que trouxe um modernismo
psicodélico ao pop brasileiro na década de 1960.
Funileiro, pensador profundo e inseto? Puxa!
Bem, ouça essa canção de Tom Zé e tire suas conclusões por que ele não é
tão palatável ao gosto popular:
Com o intuito de dar foco e consistência ao nosso objetivo
de discutir ética a partir de algumas músicas, talvez fosse importante nos
voltar a temas que ocupam o imaginário e o cotidiano das nossas juventudes. Quem
são os jovens que frequentam o nosso colégio? Onde moram? Que perfis
socioeconômicos têm?
Sabemos que em sua maioria, são jovens de periferia, que vivem
sob o imperativo da sobrevivência, ou seja, não têm a vida ganha e se quiserem
alcançar o mínimo de mobilidade social, vão precisar estudar e ralar bastante. Eles
vivenciam uma realidade com muitos desafios, em alguns casos, até vulnerabilidade.
Em conversas básicas, ganham proeminência questões como amadurecimento,
pobreza, autoestima, violência, família, drogas, machismo, trabalho. Olhando
esse rol de temas, é difícil não reconhecer o leque de possibilidades que um
estilo como o RAP ofereceria para discutir tais coisas.
O que é o rap? O rap é a rua... com o que ela carrega de
melhor e de pior!
Não se enquadraria no estilo de “música pra todos”,
“confortável”, politicamente correta. Os não familiarizados vão se lembrar das
rimas, é óbvio, mas vão associar ao estilo as batidas secas, as letras
agressivas, um pendor para explorar a violência, a vingança, a desigualdade, enfim
temas nem sempre condescendentes. Grupos como Facção Central, por exemplo, catalisam
uma revolta que inverte a lógica da ética, uma crueza que incomoda, que assusta
e que nos lança para “o outro lado”. É a voz do ladrão, do excluído invisível,
do detento, é o repúdio lançado pelos quem estão fora dos paradigmas de
aceitabilidade da sociedade, sem chance, sem projeto, sem futuro. Não é
simplesmente denúncia, é uma música de resistência. Algo contrastante, árduo, desafiador.
Na postagem
anterior aqui no blog, a segunda música que eu sugeri que você ouvisse é
“Tô ouvindo alguém me chamar”, do Racionais MCs. O
álbum de que essa canção faz parte foi adicionado à lista do vestibular da
Unicamp 2020. Ela tem bastante do realismo agressivo que estamos falando e,
como fará parte da nossa próxima atividade, disponibilizo aqui novamente o
vídeo pra você conferir.
É importante ressaltar, porém, que assim como outros estilos,
o rap tem marcas e temperos que diferem bastante, conforme o intérprete. Poderíamos citar a música de um Criolo, por exemplo. Ainda no propósito de diversificar, uma
rápida panorâmica em torno das canções de um Emicida nos leva
para outros caminhos. Trata-se de uma música eclética e complexa, que funde o
rap com o samba, o funk, o hip hop e mesmo o rock. Tem a rima pesada, mas tem coisa mais leve. Os próprios temas não são
restritos. Há riqueza de sampleamento. Encontramos ali crítica social,
política, mas também resíduos de subjetividade, de elementos bem cotidianos, nos
quais a vida brota às vezes singela, porém encantadora. É algo realmente
peculiar!
O rap abre um leque enorme para a discussão de temas
sociológicos, mas é possível também encontrar canções que nos levam a pensar a
vida, as escolhas de pessoas comuns, que tomam determinadas atitudes frente ao
que têm diante de si, sua origem e suas condições, suas necessidades mais básicas.
Problematizar os desafios e a realidade de nossos jovens a partir do rap é, sem
dúvida, uma alternativa bem-vinda.
Você já ouvia rap? Que grupos conhece? Alguma canção em
especial?
ATIVIDADE: Eu gostaria de concluir este post lançando uma
questão pra você. Se você não escuta rap, escolha outro estilo musical e uma
canção da sua preferência. Apresente-me uma música que fala nessa perspectiva
de retratar o dia a dia, problematizando os valores que nos circundam e as escolhas
que fazemos. Após dizer o nome da canção e do(s) intérprete(s), selecione
um trecho dela que oferece uma relação clara com o que estamos tratando aqui e
faça suas considerações. Isso pronto, volte ao classroom e poste sua resposta no formulário lá disponível.
É isso!