domingo, 28 de fevereiro de 2021

Ensaios de Amor


 

A propósito do tema da modernidade líquida, eu gostaria de comentar um livro que li recentemente.

Fala-se muito da questão da velocidade da comunicação, porém o conceito de modernidade líquida que a gente comumente lembra tem a ver com valores, não é?

Crenças sólidas sobre ética e religião, certezas sobre amizades e investimentos, segurança em relação a relacionamentos e ao futuro... são questões que têm passado por transformações profundas recentemente. Os episódios do programa Invenção do Contemporâneo, da Tv Cultura são, por exemplo, excelentes para quem quer uma boa introdução em relação às indagações que o séc. 21 nos traz.

O livro que apresento é de Allan de Botton e se chama: Ensaios de amor.

Suíço com formação anglo-saxã, de Botton tem um estilo contagiante que combina duas coisas: uma linguagem fluida e inteligente, que captura de forma precisa o sentimento, descrevendo-o à exaustão, algo bem comum em autores francófonos. Por outro lado, um bom-humor, um despojamento e um senso de empirismo claramente britânico. Com esse estilo, e uma bagagem incomum de literatura e filosofia, seus livros são sucesso de vendas.

Em Ensaios de amor, o que a gente tem é o surgimento, o desenvolvimento e o término de um relacionamento. Meio crônica, meio ensaio, o texto faz uso de vários recursos e tem insights primorosos. Ele excede realmente no detalhe, ao resgatar e problematizar a miríade de coisas que a gente, no corre-corre da vida, vê mas deixa passar despercebido. São impressões aqui, coisinhas ali que na verdade vão se somando e dando consistência à relação, seja no sentido de enriquecê-la, seja no de arruiná-la.

As reflexões são um bálsamo. A gente se identifica, ri, se emociona e – por que não? – sente as pulsões do amor em todo o seu aspecto febril e atordoante. Quando o assunto é paixão, quem viveu isso sabe o quanto a coisa é devastadora. A imaginação que alimentamos, os papeis que desempenhamos, as bobagens que fazemos... é tanta coisa!

Ao final, o livro me deixou com uma sensação dúbia.

Claro: em geral, quando algumas evidências colocam à prova nossa teimosa imaginação, tendemos a lançar mão de diversionismos. Recorremos a truques para amenizar ou disfarçar os estragos.

Mas o amor-fusão é daquelas coisas que não admite um equilíbrio. Nessa aventura, quem embarca não sai ileso. Embora saibamos que Eros não morre, eventuais sequelas, entretanto, permanecem. O que explica por que muitas pessoas passam a jurar nunca mais se apaixonarem.

Um olhar em retrospecto e nos surpreendemos como é possível aquela relação tão bonita, tão íntima, tão forte e tão intensa... acabar! Um minuto de pausa e estranhamos como somos estúpidos e limitados... por que afinal tanto gasto financeiro, tanto investimento emocional, quanto tempo desperdiçado.
É difícil.

E o mais difícil é admitir que essa aventura, por mais arriscada e problemática que seja, é entretanto o que nos dá o tempero da vida e da juventude.

Pode-se filosofar à exaustão... de nada adianta. Tudo cai por terra quando o objeto amado se aproxima e nos derretemos, esquecendo todos os princípios e aquilo que jurávamos fazer ou dizer a cinco minutos atrás.

A modernidade líquida e a internet resguardam os jovens de hoje de ‘tocos’ e frustrações. Agilizam e facilitam encontros. Porém precipitam a chegada de uma época em que a quantidade desidrata a qualidade, em que o gozo se divorcia do prazer.
Daí o dilema que todos conhecemos bem.

No amor, assim como na amizade, é preciso compromisso, entrega e reciprocidade, algo cada vez mais raro de se encontrar nesses tempos de pouca paciência, onde preferimos relações mais superficiais, desde que divertidas.

Mesmo sabendo que o amor implica numa experiência única e nos amadurece enquanto seres humanos, o problema é que ele demanda mais tempo e mais esforços, e os riscos de amar e ser destruído por um término de relação nos assusta a ponto de hesitarmos.

A reflexão proposta por de Botton nos ajuda a compreender essa hesitação, com todas as nuances que em geral a acompanham: narcisismo, idealização, insegurança etc.

O livro tangencia um sentimento dúbio partilhado por todos nós: como é fácil e divertido um match hoje em dia!
Apesar de toda tecnologia e comodidades, seguimos vazios, infelizes e solitários.