sábado, 8 de dezembro de 2018

Caruana x Carlsen no Campeonato mundial de Xadrez 2018




Terminou há poucos dias o campeonato mundial de xadrez.
Fabiano Caruana, dos EUA, desafiou o detentor do título, Magnus Carlsen, da Noruega (cuja história pessoal é muito intressante).  As 12 partidas jogadas entre eles terminaram em empate. Caruana não conseguiu vencer. Numa segunda fase, para desempatar, o confronto foi em partidas rápidas. Aí Carlsen levou a melhor.

Em meio ao evento, análises das partidas feitas por computadores de última geração e por grandes mestres do xadrez ocupavam as redes sociais. Tinha aquelas chamadas para o melhor jogo, tinha também comentador "vendo" posições vantajosas ou até mesmo ganhas... Como sabemos, tudo especulação.

Uma coisa é analisar em casa, confortavelmente na poltrona, outra coisa é ficar frente a frente com o monstro, segurar a tensão, enfrentá-lo e vencê-lo.

Então: o artigo do Chess.com é interessante porque explora como o jogo profissional, em altíssimo nível, envolve coisas específicas, detalhes muito sutis. Quando os dois oponentes jogam muito, muito bem, não há truques que possam surpreender o adversário. A coisa é dura, pegada, difícil.

Eis que a batalha acaba sendo resolvida pela paciência, pela resistência, pelo domínio teórico do que acontece quando você escolhe determinadas variantes do jogo. Claro que tem a coisa do poder de administrar coisinhas, um pequeno espaço, um reforço de peças etc... Mas a questão é que um grande jogo é decidido nos detalhes.

Interessante, não?
O xadrez é uma metáfora da vida, que também pode tomar um rumo irreversível a partir de pequenas decisões que tomamos.

Ao ver os jogos de xadrez, o público espera novidade, espetáculo, surpresa!
Claro, pois é isso que atiça nossa curiosidade.
Mas isso está longe de ser o elemento decisivo no xadrez de alto nível.


terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Os versos que te fiz




















Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolências de veludos caros,
São como sedas brancas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Florbela Espanca (1894-1930)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

A caravana de migrantes


Enquanto as eleições aqui no Brasil ocupavam a nossa atenção, um fenômeno importante teve pouca repercussão. Uma caravana de migrantes, saindo de Honduras, iniciou no último dia 12 de outubro uma marcha rumo aos Estados Unidos. O movimento, que começou com pouco mais de 150 pessoas, rapidamente foi aumentando em número. Além de hondurenhos, outros grupos se juntaram, vindos de El Salvador e da Guatemala. Em comum, uma multidão fugindo da fome, da violência, da falta de oportunidade. Mas também de estados falidos e de regiões dominadas por gangues ou pelo tráfico, onde a escravidão, em muitos casos, é destino certo. São mães com criança de colo, adolescentes sem pais, idosos, crianças, gente de todo tipo, que vê nos EUA a terra prometida onde poderiam arrumar emprego e tentar uma vida melhor. Junto com as poucas coisas que cada um pode levar, histórias de assassinatos, desamparo e muita pobreza. O desespero é o combustível que as força a caminhar. São cerca de 5000 quilômetros até os EUA, muitos trechos à pé, numa marcha perigosa e absolutamente incerta, mas que se impõe como a última esperança para quem está no limite. 
  Esta não é a primeira vez que uma caravana parte de Honduras para o território americano. Há registros de outras. Porém, esta última ganhou notoriedade pelo número de refugiados, pela organização e também pelo modo como reagiu o presidente americano, utilizando a internet para criticar a caravana. À medida que crescia e avançava, o movimento atraía mais e mais pessoas. Gente que, a princípio, não tinha coragem, ao ver os migrantes, resolveu por na marcha suas últimas esperanças. Houve um momento em que a multidão atingiu perto de 5000 pessoas, mas foi diminuindo por conta de alguns grupos avançarem mais rápido, e outros desistirem devido aos riscos de violência e assaltos durante o percurso. No dia 18 de outubro, pouco antes de chegarem à fronteira com o México, um duro enfrentamento aconteceu, primeiro com a polícia gualtemalteca, posteriormente com a polícia mexicana. Entidades de assistência ligadas aos direitos humanos reportavam uma crise humanitária: os migrantes, sem qualquer recurso ou abrigo, depois de dias caminhando a pé, sob sol forte, dormindo no relento, tinham entre eles crianças chorando sem parar, pessoas famintas, outras exaustas, até doentes. Em 20 de outubro, cerca de 900 pessoas já entravam no México pelo rio Suchiate. O país abre então a fronteira para aliviar sobretudo mulheres com filhos, num estado desolador. Em 19 de novembro, a caravana, com cerca de 3000 refugiados chega a Tijuana, fronteira do México com os EUA. Perto dali, encontra-se o gigantesco muro construído pelos americanos para delimitar as fronteiras e evitar a entrada de imigrantes. A partir daí, é tensão e espera.

Ao observar a situação-limite dos refugiados latino-americanos, comparações são inevitáveis. E uma pergunta nos vem à mente: como o Brasil tem enfrentado seus problemas em relação à pobreza, desenvolvimento e condições de vida digna para seus cidadãos? Em relação a isso, relatório divulgado recentemente pela ONG Oxfam dá conta de que: 


·   O número de pobres cresceu 11% em 1 ano, atingindo 15 milhões de brasileiros em 2017 (7,2% da população);
·   Os rendimentos do trabalho dos 10% de brasileiros mais ricos cresceram 6% de 2016 para 2017; já entre os 50% mais pobres, a renda caiu 3,5%;
·   O rendimento médio do 1% mais rico é 36,3 vezes maior que o dos 50% mais pobres;
·   Pela 1ª vez em 23 anos, a renda média das mulheres caiu em relação à dos homens, de uma proporção de 72% para 70%;
·   A diferença salarial entre negros e brancos também aumentou: em 2017, negros ganhavam em média 53% dos rendimentos médios de brancos, ante 57% em 2016;
·   O volume de gastos sociais no Brasil retrocedeu ao patamar de 2001;
·   Pela 1ª vez desde 1990, o Brasil registrou alta na mortalidade infantil, que subiu de 13,3, em 2015, para 14 mortes por mil habitantes em 2016.



Se, por um lado, não há como comparar Brasil com nações pequenas e pobres como Guatemala e Honduras, de outro, também não se pode negar que a desigualdade, por aqui, é um drama com o qual convivemos há muito tempo. Os índices da pesquisa acima não seriam alarmantes, se a situação real que vemos crescer no dia a dia não confirmasse algo mais profundo acontecendo. Enquanto os jornais reportam, de forma sucinta, temas aparentemente desconectados, como informalidade no mundo do trabalho, violência urbana e negligência do Estado, o que sentimos, nos grotões do país, nas periferias das grandes cidades e em regiões mais pobres, é a morte lenta de um pacto social esgarçado por um conjunto de problemas gravíssimos. Não se trata mais de identificar partes específicas do sistema enfraquecidas ou danificadas, mas de reconhecer que toda a estrutura, social e institucional, corre risco de ruir. Você já pensou: como seria se o Estado, tomado pela corrupção, pela inércia ou pelo crime organizado, simplesmente abandonasse todas as suas funções? Se leis, direitos humanos e vida digna perdessem completamente o sentido? Se o senso mínimo de coletividade e de responsabilidade para com os outros fosse atropelado por uma guerra civil ditada pelo individualismo mais indiferente? Quem mais perderia com isso? Quem ficaria mais sujeito às devastadoras consequências?

Ao olhar para a caravana dos migrantes, devíamos nos lembrar de que trabalho escravo, índices de violência assustadores e regiões dominadas já é realidade no Brasil. Em nosso cotidiano não conseguimos mais disfarçar as imagens desoladoras de pessoas desempregadas, vulneráveis ou doentes ocupando locais públicos, filas de atendimento, sinaleiros, o entorno de onde moramos. São sinais evidentes de que a pobreza e a desigualdade têm atingido em nosso país níveis muito acima do aceitável. Portanto, a marcha dos hondurenhos é, simbolicamente, uma advertência do que pode acontecer conosco, do que ocorre com qualquer país que têm suas instituições falidas e onde a desigualdade cinde a população entre uma minúscula casta que tem e esbanja e a imensa multidão aos pés desta casta, mendigando para sobreviver.

Pesquisas a nível internacional confirmam o que o jovem economista Thomas Piketty destrinchou em seu livro “O capital no séc. XXI”: em países em desenvolvimento como o Brasil, os ricos estão ficando cada vez mais ricos, e os pobres, mais pobres. Algumas fontes apontam que nosso país está entre as 8 nações em desenvolvimento mais desiguais! Mesmo assim, chama a atenção o crescimento, entre nós, de uma ‘onda liberal’ expressa em verbos cada vez mais presentes no noticiário: desregulamentar, flexibilizar, privatizar e enxugar. De repente surge uma panaceia para nossos problemas, uma agenda centrada não no combate à desigualdade ou no enfrentamento de nossos gargalos, mas na crítica ao tamanho do Estado. Isso suscita algumas indagações. Por exemplo: aos que gritam vivas ao capitalismo e repetem que empresas públicas não podem ser competitivas, fica a pergunta: isso é regra absoluta? A única solução é entregá-las para o capital estrangeiro? Da noite pro dia, nos esquecemos de que algumas dessas empresas demoraram décadas para ser construídas, outras ocupam um papel estratégico em ações governamentais. Não é possível saneá-las? Se o problema é a burocracia ineficiente do Estado e sua falta de articulação para responder às demandas sociais – e todos concordamos com isso – de que modo a simples redução da máquina estatal nos trará as condições para resolver nossos péssimos índices sociais? Os simpatizantes da ideia de que tomando os Estados Unidos como referência nosso país vai alavancar, talvez não saibam que os EUA não são modelo de distribuição de renda, que há décadas a renda média dos americanos também não cresce (só a dos ricos cresce!). Portanto, é recomendável cautela com receitas importadas e bordões de economistas.

Não se trata de persistir num ideário de esquerda ressentido, desvinculado de questões prementes de nossa realidade. A questão é que o enxugamento do Estado, rápido e a qualquer custo como se está pregando, pode trazer consigo uma perigosa fragilização do nosso estado de direito, já capenga. Elementos do Estado de bem-estar social que ainda nos restam podem ser destruídos. Ouve-se pouco a respeito dos interesses que estão em jogo nas privatizações anunciadas; há divergências entre importantes economistas se o melhor a fazer é realmente vender “a prata da casa” para pagar dívidas, dívidas em alguns casos nunca auditadas. Há, enfim, sérias dúvidas sobre as decisões que vamos tomar em relação a esse assunto. O risco maior, é claro, seria abdicarmos da noção de que o Estado tem responsabilidade indispensável na promoção do social. No Brasil, essa questão é crucial, porque parte consistente da população depende do planejamento, da ação e da promoção do Estado. 

A lorota dos 12 ministérios é uma metáfora do que estamos falando. Quem pregava que ir além desse número seria desperdiçar dinheiro e gerar cabide de emprego, hoje já anuncia 20 ministérios! Ou seja, a realidade é que ainda ouvimos respostas amadoramente simples para problemas complexos. Se não quisermos que nosso país atinja as condições catastróficas de uma Honduras ou outros de nossos vizinhos, precisamos prestar mais atenção no modo como nossa política trata o problema da desigualdade. A semana de protestos dos “coletes amarelos” na poderosa França, que levou às ruas de Paris mais de 280 mil pessoas sem qualquer convocação de sindicatos, sem a presença de líderes e com aprovação maciça da opinião pública, é um indício contundente de que, em toda parte, as coisas estão apertando para o lado dos pobres. Pobres franceses, pobres hondurenhos, pobres latinos que aqui e ali estão saindo às ruas e se insurgindo. Haverá tempo para os pobres brasileiros fazerem o mesmo?

domingo, 11 de novembro de 2018

Cinema e estética (última atividade do 3º ano)


Na leitura do cinema de seu tempo, Walter Benjamin oscilava entre a abordagem conceitual e a rendição furtiva à arte de massas cuja sedução viria a conquistar o mundo. De fato, o cinema, com suas estrelas, seus momentos épicos e seu apelo ilimitado à imaginação e ao entretenimento tornou-se um dos grandes acontecimentos do séc. 20. Esta arte deu impulso a um mercado poderoso, glamouroso e que movimenta fortunas. Hoje, assistir a um filme talvez seja algo tão universal quanto tomar um café. Essa arte, tão complexa quanto versátil, explora todo tipo de temática, servindo tanto a uma concepção de arte pedagógica quanto expressiva. Tendo isso em vista, essa proposta apresenta alguns filmes e um convite à degustação e à reflexão. Cada um deles nos propicia uma um prazer a seu modo. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Texto "O que é esclarecimento?", de Kant

Disponibilizo abaixo o célebre texto de Kant, na tradução da Antologia de textos produzida pela equipe de professores de filosofia da UFPR.

Clique aqui para baixar o arquivo.

domingo, 23 de setembro de 2018

Perguntas úteis para responder antes de votar


A construção de um painel provocador, inteligente, com questões úteis e pertinentes. Essa é a proposta de uma atividade de política que trata de democracia às vésperas de uma eleição majoritária. Tendo como ponto de partida o capítulo 17 do Filosofando. Tendo como referência nossas análises em torno do questionário de política que acabamos de confeccionar. Será possível reunirmos algumas questões e transformá-las em perguntas realmente relevantes, e com isso participar do debate sobre a eleição, apresentando contribuições que possam ir ao encontro do que as pessoas estão conversando?

Temas mais apontados:

1)      Sobre as regras do jogo: Não tem como ser bem sucedido em um jogo se não você não conhece as regras dele. Você sabe como funciona nosso sistema eleitoral? Nas eleições para deputados, nós votamos no candidato ou no partido?/ Já atentou para o fato de que a eleição para o legislativo é tão importante, se não mais do que a eleição para o executivo?/ Como quebrar as oligarquias políticas, em que políticos de carreira lançam os filhos como numa continuidade? A questão de votar por gênero ou por grupos minoritários é pertinente? Por exemplo, mulheres devem votar em mulheres? Negros, em negros? Ganhamos alguma coisa ao escolher votar apenas em candidatos novos, que nunca exerceram um cargo público, colocando a rotatividade como um princípio absoluto?/ Existe diferença entre voto branco e voto nulo?/ O rechaço da população aos políticos que estão aí pode provocar uma nova eleição?

2)      O protagonismo do jovem na política: Se o idiota é aquele que se coloca alheio à política, de que modo o jovem pode colocar-se a par dela? Como ocupar a política ou ter uma visão mais inteligente e aprimorada? Não adianta reclamar e não se envolver. Que livros, jornais ou canais no Youtube nos ajudariam nessa tarefa? Você já se vê como uma pessoa de direita ou de esquerda? Por que isso é algo importante em termos de participação cidadã?

3)      Marketing, pesquisas eleitorais e fake news: Numa eleição para presidente, é de se esperar que os candidatos façam de tudo para chegar ao eleitor e, sobretudo, convencê-lo. Nas últimas campanhas, entretanto, somas enormes de dinheiro foram destinadas a marqueteiros especializados em “construir” uma imagem ou personagem. As crises vindas mais tarde mostraram que os programas políticos apelam a um excesso de faz-de-conta para ganhar os eleitores. Hoje em dia, é preferível candidatos e propostas mais realistas.
Sobre as pesquisas de opinião, embora algumas delas sejam sérias, não se pode confiar em todas. Além disso, ao apontar uma ‘tendência dos votos’, elas provocam pressão considerável sobre os eleitores que, não tendo seu candidato uma boa posição nas pesquisas, sentem que seu voto de convicção pode ser inútil. Portanto, antes de acompanhar pesquisas de opinião, é importante você formar seu juízo de forma consistente, para não ser facilmente balançado ou influenciado por elas.

O caso das fake news é diferente. Elas não são poucas como as pesquisas de opinião. Pior que isso, elas muitas vezes são difíceis de identificar. Às vezes, pessoas sensatas e cuidadosas passam fake news, por descuido ou dada a verossimilhança da notícia. Por conta disso, Facebook e outras redes sociais, Google, agências de notícias e outras mídias têm se comprometido com a identificação e combate às fake news. A folha de S. Paulo, por exemplo, tem uma seção em destaque para o tema, onde jornalistas se encarregam de checar a veracidade de notícias suspeitas enviadas por leitores em dúvida. Todo cuidado é pouco quando o assunto são notícias falsas.

4)       Da motivação do voto: A gente sabe que uns votam porque o candidato é contra tal coisa, outros porque “todo mundo na família vai votar nele”, outros, ainda, porque foi indicado por uma pessoa querida... Esses tipos de motivação não são razoáveis. Pior: o ato de votar num candidato por ojeriza a outro (o chamado voto de protesto ou voto de repulsa), dificilmente resulta em ganhos, porque alternativas para problemas complexos não vão surgir disso. A motivação para votar deve partir da análise de uma conjuntura, de um programa, de uma soma de propostas; a motivação deve vir de uma convicção ideológica sua, ou seja, de sua análise do candidato, do partido e de como seus interesses podem ser representados.

5)      Clichês de política: Esse tem que ter! Quem nunca se interrogou ou se divertiu com algumas expressões, repetidas à exaustão, em época de eleição? Sabe aqueles chavões vazios de conteúdo, que remetem a ideias vagas, preconceituosas ou inconsistentes? Pois é! Uma lista assim pode nos ajudar a escapar das lorotas que nos perseguem na internet, na reunião de família, na igreja, na diversão ou no trabalho.

- “O povo é burro e não sabe votar – É o tipo de fala inconsistente e preconceituosa. Porque julga a todos sem distinção, porque olha apenas o resultado e não o processo, porque, enfim, não há como estabelecermos se e o quanto as pessoas são burras! Muitas vezes os eleitores confiam em candidatos que têm uma boa ficha, mas que depois desandam. Em outra situação, eleitores, sabendo que prisões, discursos e poses são recursos muito utilizados para propaganda política, esses eleitores podem suspender o julgamento sobre o que veem, colocando-se numa perspectiva mais pragmática, perguntando-se como vai ser a sua vida com este ou aquele governo: esse raciocínio é razoável. Outras inúmeras situações são possíveis. Numa palavra, “acusar burrice”...  não traz nada de produtivo.

- Apoio da Igreja? Insuficiente. Política envolve a defesa de interesses. Pessoas que comungam o mesmo credo podem não ter exatamente a mesma ideologia. É possível haver numa mesma assembleia patrões em empregados, ou seja interesses diferentes. É válido conversar com o grupo a que você pertence, porém a decisão e a responsabilidade sobre o voto é individual e envolve uma análise complexa, que não raro excede o que as preocupações doutrinárias geralmente apontam.

- Candidato preparado? Ideia vaga. O que é estar preparado? Pergunta complexa essa. Dos presidentes anteriores, quem estava preparado? Não dá pra identificar como preparado o que possui um doutorado, o que tem uma carreira de sucesso na iniciativa privada, ou o que é dono de uma televisão ou de um patrimônio invejável. Fazer política envolve dialogar, liderar, projetar, ouvir, ser sensível, comprometer-se com determinadas coisas... enfim são muitos itens que não se resumem a uma carreira de sucesso tão-somente. Por isso o eleitor tem de fazer análise, sopesando diversos aspectos da figura e do histórico do candidato.

- “Se fulano for eleito, vai acabar com...” Inconsistente e geralmente preconceituosa.. É um péssimo refrão, comumente utilizado por eleitores inflamados e que polarizam algumas posições. Não se pode acabar com nada, ou transformar alguma coisa arbitrariamente, simplesmente porque vivemos numa democracia, com instituições, leis, competências e responsabilidades estabelecidas. Portanto, essa ideia de que “fulano vai resolver... ou acabar com...” é coisa de analfabeto político.

- Votar certo? Ideia vaga. Geralmente em agremiações como igrejas, é comum ouvirmos isso. Líderes enchem o peito para dizer algo que não ajuda muito. Como se houvesse, no meio dos rostos dos candidatos, um deles que é o “certo”, esperando para ser descoberto. Ora, isso não existe. Política envolve a defesa de interesses e para isso, é preciso julgamentos complexos. Simplificações grosseiras são contraproducentes.

- Sou de direita... ou sou de esquerda?  Pode ser vaga. Das definições jornalísticas até as acadêmicas, o leque de interpretações é amplo. Quem usa uma expressão como essa pode não saber os contornos precisos do que está dizendo. Causa mais dúvidas do que ajuda (confira o exemplo do prof. Karnal) . É preferível que você diga que coisas são prioritárias pra você: por exemplo, combate a desigualdade, defesa da liberdade, diminuição da pobreza etc... Com isso, você se livra de ambiguidades e fala claramente o que deseja.

- Ver o histórico do candidato? Insuficiente, quando apresentada como a solução para se votar bem. O histórico do candidato é condição necessária, mas não suficiente para o escolhermos. Partido, programa de governo e coligações são algumas das coisas que também fazem diferença na hora de escolhermos. Há eleitores que procuram saber ainda outras coisas, como vida pessoal, religião, detalhes da vida profissional etc.

- “Voto facultativo resolveria nossos problemas” Inconsistência. Não há pesquisas definitivas a respeito disso. Eu, por exemplo, creio que ela traria benefícios, porém não é possível afirmar com segurança que se liberássemos para votar apenas quem quer, isso implicaria necessariamente uma melhora na qualidade dos votos. Há quem diga que o problema da compra de votos poderia aumentar. Também corremos o risco da baixa participação que, aumentando, poderia comprometer a legitimidade da eleição.

- Urna eletrônica é fraude. – Inconsistência. Num mundo em que tudo caminha para a automação e a digitalização, é estranho ver pessoas estranhar o avanço das urnas eletrônicas. Os bancos, por exemplo, estão todos na internet! E então: conseguimos girar, com segurança, milhões de reais todos os dias pela rede através de máquinas... mas não conseguimos produzir urnas eletrônicas seguras? Por favor: não dá pra aceitar isso. O investimento do TSE a fim de garantir a segurança e na lisura das urnas precisa torna-se de conhecimento de todos. Para encerrarmos as lendas urbana em torno desse assunto. E para não dar mais corda à retórica de pessoas mal intencionadas.